domingo, 24 de maio de 2015

amorte

eu tinha um frasco de você
guardado na boca
para quando fosse noite ou dia
em meus dedos
me chupar você em oferenda a mim

percorreria curvas do meu pescoço
e seguraria o coração nos meus peitos cheios
do meu corpo e dos meus olhos fechados desse você sagrado
cravaria-me as unhas
cruzaria-me as pernas
fecharia-me de mim os olhos para todos os outros
porque em mim o seu nome
em cada parte
fincaria-me você ávida e sem volta
como um gozo

no mundo do de dentro dos vestidos
você seria flor,
colibri nascidos pra dentro

e no eu que era você daqueles olhos descaminhos
frescor líquido da memória
escorrido como um esgoto para o nada,
nítida metáfora:
ideia, pensamento, amor
que me curava de você o corpo,
poço a poço
benzimento de fim ternura

cada parte da noite,
escuro a escuro,
na minha boca você,
                              o meu sussurro

pela manhã
o café, os sonhos descansados na mesa
e o teu nome também
em meu sorriso

estou só, é verdade,
mas te toquei-me esta noite,
e uma parte que não me sei é azul
amorte

Led Zeppelin - The Rain Song


ciganos: pai e filho, espíritos santos

os pés do meu pai
moram na casa do meu poema
como um destino de 
família nenhuma

e meu poema órfão
sem irmãos tios ou avós
nem pai tem o poema
da casa do pai
                        ou mãe poemãe
                        não tem

meu poema caminha solitário
nas calçadas
e ele tem
o mundo inteiro
nos pés

quando sai de casa e trabalha,
o meu poema se sustenta

de verso, flores, árvores e tudo o que vai
em idas

meu poema só 
                         é
e ele não tem
volta

mas há casa nenhuma
e pés,
meu pai...

segunda-feira, 18 de maio de 2015

janela

aqui está sem portas
e lá de baixo alguém pede socorro

salto.

sobre mãos e manhãs...

se minhas mãos
fossem manhãs
elas te colheriam ao calor do dia
e deixaria sob tua existência um pedaço seu de sol
e roubaria o girassol dos teus ombros
para enfeitar a lua

se minhas mãos te fossem manhã,
eu te puxaria pro outono,
e te mostraria a loucura do céu desestrelado
desvendaria algumas nuvens
e te contaria a formula do arco-íris de dentro dele,

e eu te acordaria aos beijosmãos

mas minhas mãos só mãos, 
e as manhãs estão tão distantes de nós
agora

terça-feira, 12 de maio de 2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

gaita

ninguém sopra o amor
para a gaita do meu coração
como você

poesia

é com a boca cheia
de uvas
que escrevo este poema
no pé dos teus
cachos de 
palavras ...

e eu quero dizer alguma coisa que faça
um sentido de líquidos estourados e vivos

e eu quero dizer alguma
coisa vazia que me transformo quando falo

e eu quero me pisar inteira de você
e amor e poesia e ternura escorrendo da boca
ao pescoço
eu quero as palavras deste poema
que você me causa

eu quero, juro,
que
quero você na minha boca
vazias uvas 
explosões de uvas
roxeado brilhante no selvagem dente
do verbo

eu quero mesmo

mas ainda estou inteira
boca cheia vulvas
uvas 
e teus cachos não são

uva sou
e uivo em lilás